sexta-feira, 21 de março de 2008

MOMENTO POÉTICO 07

A nossa cultura está, com grave prejuízo, dominada pela esquerda. Toda esta poesia que temos aqui ouvido e que continuaremos a ouvir parece ter sido votada ao esquecimento, como se em tantos séculos de cristianismo os poetas não tivessem cantado a sua fé. Ou pior, como se eles fossem blasfemos como são tantos poetas do último século e meio.
Como estamos na Semana Santa, vamos ouvir hoje um soneto de Fr. Agostinho da Cruz (1540-1619), que nos fala do Crucificado, e um excerto duma elegia de Camões (1524-1580).
Fr. Agostinho da Cruz, que era natural de Ponte do Lima e foi monge na Arrábida, junto ao Setúbal, faz perpassar no seu texto algo do
Stabat Mater, isto é, da contemplação presencial do sofrimento de Cristo. O Stabat Mater é um hino litúrgico que nos fala de Nossa Senhora junto à Cruz, da Senhora das Dores. O soneto intitula-se Às Chagas.

Às Chagas

Divinas mãos e pés, peito rasgado,
Chagas em brandas carnes imprimidas,
Meu Deus, que por salvar almas perdidas,
Por elas quereis ser crucificado!

Outra fé, outro amor, outro cuidado,
Outras dores às vossas são devidas;
Outros corações limpos, outras vidas,
Outro querer no vosso transformado!

Em vós se encerrou toda a piedade,
Ficou no mundo só toda a crueza;
Por isso cada um deu do que tinha:

Claros sinais de amor, ah, saudade,
Minha consolação, minha firmeza,
Chagas de meu Senhor, redenção minha!

Fr. Agostinho da Cruz é muito sensível à evocação do sofrimento do Salvador. Ele sabe que tal dor lhe diz respeito: ela é o mais louco acto de amor de Deus à humanidade, e decide a eternidade de cada homem e cada mulher em particular.
O fragmento de Camões que vou ler agora pertence à elegia
À Paixão de Cristo Nosso Senhor. Nele contemplamos Jesus que vai do tribunal de Pilatos para o Calvário. O poeta é sensibilíssimo às injustiças praticadas contra o Salvador e aos tormentos de que é vítima. Nenhum poeta português terá abordado tão bem este tema, fosse ele sacerdote e monge. A linguagem não é particularmente difícil; é até relativamente acessível.

Ó sumo Deus, Tu mesmo Te condenas,
pelo mal em que eu só sou tão culpado,
a tamanhas afrontas, tantas penas!

Por mim, Senhor, no mundo reputado
por falso e por quebrantador da lei,
a fama a Ti se põe de meu pecado.

Eu, Senhor, sou ladrão; Tu, sumo Rei;
eu, só, furtei; Tu, com ladrões padeces;
a pena a Ti se dá do que eu pequei.

Eu, servo sem valor; Tu, sumo preço,
em preço vil te pões, por me tirares
do cativeiro eterno, que mereço.

Eu, por perder-Te, e Tu, por me ganhares,
Te dás aos homens baixos, que Te vendem,s
ó para os homens presos resgatares.

A Ti, que as almas soltas, a Ti prendem;
a Ti, sumo Juiz, ante juízeste acusam,
pelo erro dos que Te ofendem.

Chamam-Te malfeitor, não contradizes;
sendo Tu dos profetas a certeza,
dizem que quem Te fere profetizes.

Riem-se de Ti; Tu choras a crueza
que sobre eles virá. A gente dura,
por quem Tu vens ao mundo, Te despreza.

O teu rosto, de cuja formosura
se veste o Céu e o Sol resplandecente,
diante de quem muda está a Natura,

com cruas bofetadas da vil gente,
de precioso sangue está banha
docuspido, arrepelado cruelmente.

Aquele corpo tenro e delicado,s
obre todos os santos sacrossanto,
de açoutes rigorosos flagelado;

depois coberto mal de um pobre manto,
que se pegava às carnes magoadas,
para dobrar-lhe as dores outro tanto.

Magoavam-No as chagas não curadas,
um tormento causando-Lhe, excessivo,
ao despir pelas mãos cruéis e iradas.

As santíssimas barbas de Deus vivo,
de resplendor ornadas, Lhe arrancavam,
para desempenhar Adão cativo.

Com cordas pelas ruas O levavam,
levando sobre os ombros o troféu
das vitórias que as almas alcançavam.

E tu que passas, homem cireneu,
ajuda um pouco este Homem verdadeiro,
que agora como humano enfraqueceu!

Olha que o corpo, aflito do marteiro
e dos longos jejuns debilitado,
não pode já co peso do madeiro.

Oh, não enfraqueçais, Deus encarnado!
Essas quedas, que tanto vos magoam,
suportai, Cavaleiro sublimado!

Camões, como Bocage, deixou-nos dezenas de páginas de poemas de tema religioso, vibrantes de qualidade poética, que a escola não apresenta aos alunos de hoje. Havemos de evocar mais algumas dessas páginas.

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