Os dois sonetos que trago hoje são de assunto bíblico, mas não de tema propriamente religioso. Isto é, nos dois casos, os seus autores aproveitam uma sugestão bíblica e escrevem poemas de amor.
O primeiro é de Camões. Noutros tempos era um texto muito divulgado e por isso conhecido, hoje não é tanto. Veja-se:
Sete anos de pastor Jacob servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
Mas não servia ao pai, servia a ela,
E a ela só por prémio pretendia.
Os dias, na esperança de um só dia,
Passava, contentando-se com vê-la;
Porém o pai, usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe dava Lia.
Vendo o triste pastor que com enganos
Lhe fora assim negada a sua pastora,
Como se a não tivera merecida;
Começa de servir outros sete anos,
Dizendo: – Mais servira, se não fora
Para tão longo amor tão curta a vida!
O tema dos amores contrariados é dos mais frequentes em Camões. Natural é portanto que ele versificasse este episódio do Génesis. Jacob acabou por casar com Raquel e ter numerosos filhos, que estão na origem das doze tribos hebraicas.
O segundo soneto é de Antero de Quental. Ele versifica um momento do Cântico dos Cânticos, livro que já é de si muito poético. É curioso que este livro faça as delícias dos místicos, que vêem no canto do apaixonado à sua amada o amor com que Jesus ama a Igreja. Antero, por sinal, escolheu um fragmento em que fala a amada.
O soneto tem por título «A Sulamita», que é personagem da obra original, e começa com umas palavras da amada, em latim que, traduzidas, dizem: Eu durmo, mas o meu coração está desperto.
A SULAMITA
Ego dormio, et cor meum vigilat
Cântico dos Cânticos
Quem anda lá fora pela vinha,
Na sombra do luar, meio encoberto,
Subtil nos passos e espreitando incerto,
Com brando respirar de criancinha?
Um sonho me acordou… não sei que tinha…
Pareceu-me senti-lo aqui tão perto…
Seja alta noite, seja num deserto,
Quem ama até nos sonhos adivinha…
Moças da minha terra, ao meu amado
Correi, dizei-lhe que eu dormia agora,
Mas que pode ir contente e descansado,
Pois eu tão cedo adormeci, conforme
É meu costume, olhai, dormia, embora,
Porque o meu coração é que não dorme…
Como se vê, é uma bela promessa de amor, da parte da jovem Sulamita.
Sobre os sonetos era isto que tinha a dizer, mas vou tecer ainda unas considerações sobre o nome Jacob, que apareceu no soneto de Camões.
Entre os apóstolos há dois que em grego e latim têm o nome de Jacob - mas não em português. Vamos ver o que se passou.
Isto tem a ver com a palavra santo. A forma feminina de santo serve para qualquer mulher: santa Ana, santa Isabel, santa Maria, santa Teresa… Mas não é assim na forma masculina. Dizemos santo António, santo Hilário, santo Agostinho, mas são Pedro, são Paulo, são Tomás…
Que se passa então com o Jacob? Em latim, como em grego, este nome lia-se Iácob. Então deveríamos ter santo Iácob. Mas a evolução fonética popular foi transformando a expressão, talvez assim: Santiacob > Santiaco > Santiago. Depois, separou-a outra vez em duas palavras e ficou são Tiago. E então aqueles apóstolos ficaram a ser Tiagos.
De Iácob também derivou Jaime, em português, e os nomes correspondentes, por exemplo, em inglês, James.
Pelos vistos não faz grande diferença para a evolução da palavra que o nome dos apóstolos fosse de facto, na origen, Iácobo e não propriamente Iácob.
quarta-feira, 19 de março de 2008
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