sábado, 15 de março de 2008

MOMENTO POÉTICO 01

«País de poetas», como lhe chamou se não erro António Nobre, Portugal tem uma tradição poética notável e por isso tem também muita poesia de tema religioso. "Momento Poético" irá ser uma breve rubrica de poesia desta temática.
Embora eu não conheça nenhuma antologia que recolha o melhor deste filão artístico, consegui já reunir uma colecção significativa. Espero assim trazer aqui alguns dos melhores trechos produzidos pelos nossos poetas.
Vou começar com um pequeno poema, em três quadras, de Afonso Lopes Vieira, que se intitula «A Senhora dos poetas».

A SENHORA DOS POETAS

Peregrinos, mareantes,
Sejam do mar ou dos ares,
Todos te deram um Nome
Para melhor escutares.

O pecador, os aflitos,
Os faltinhos de saúde,
Todos te ergueram um Nome,
Como ao rio um açude.

Porquê, em alta montanha,
Entre lírios e violetas,
Não haver uma ermidinha
À «Senhora dos Poetas»?

Afonso Lopes Vieira

Creio que foi uma boa opção começar com este poema; não que ele me pareça de qualidade especialmente rara, mas pela ideia da «ermidinha / à Senhora dos Poetas». Nossa Senhora seria sem dúvida dotada de grande pendor poético, como é comum nos místicos – e Ela está à frente deles e a uma incomensurável distância.
Afonso Lopes Vieira (1878-1946) foi conhecido como o Poeta do Belinho, do nome da freguesia esposendense onde viveu largo período.

Vou agora ler um soneto de Florbela Espanca. Tem por título «Quem sabe?...»

QUEM SABE?...

Queria tanto saber porque sou Eu!
Quem me enjeitou neste caminho escuro?
Queria tanto saber porque seguro
Nas minhas mãos o bem que não é meu!

Quem me dirá se, lá no alto, o céu
Também é para o mau, para o perjuro?
Para onde vai a alma que morreu?
Queria encontrar Deus! Tanto o procuro!

A estrada de Damasco, o meu caminho,
O meu bordão de estrelas de ceguinho,
Água da fonte de que estou sedenta!

Quem sabe se este anseio de Eternidade,
A tropeçar na sombra é a verdade,
É já a mão de Deus que me acalenta?

Florbela Espanca

O soneto mostra-nos Florbela (1894-1930) em grande desorientação. E parece que passou assim muito tempo d a sua vida.
Ela possuía uma voz poética vibrante e original, e isso está aqui nestas exclamações e interrogações, sempre dramáticas, e nestas imagens.
Apesar de alguns pormenores manifestamente heterodoxos, há no soneto um anseio de Deus que faz lembrar aqueles versos bíblicos que dizem: «como o veado anseia palas águas correntes, assim minha alma suspira por vós, ó meu Deus». Na «estrada de Damasco», como S. Paulo, caminha cega, mas há um vislumbre de luz na «mão de Deus» que julga acalentá-la.

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