domingo, 1 de junho de 2008

Momento poético 15

Conforme prometido, o momento poético de hoje volta a ser mariano, isto é, sobre Nossa Senhora. O poema com que vou começar intitula-se mesmo Ave-Maria. Mas não é uma paráfrase como o da vez passada. O seu título tem antes a ver com o toque das Ave-Marias ou das Trindades, com que noutros tempos os campanários das igrejas anunciavam três momentos diários de oração, pela manhã, ao meio-dia e ao entardecer. A esta oração também se chama o Angelus ou, em tempo pascal, o Regina Coeli. Estas expressões latinas indicam a primeira ou as duas primeiras palavras das orações em latim que então se rezavam.
O poema é constituído por seis estrofes de cinco versos mais uma espécie de refrão.
O autor dele, que viveu certamente em finais do séc. XIX ou princípios do de XX, chamava-se Francisco Palha. Não conheço mais nada dele.
O poema tem algo de neo-garretiano, isto é, perpassa-o um tom tradicionalista e popular. Mas não deixa de ser um poema com o seu mérito.

AVE MARIA!

No sino da freguesia,
Três badaladas ouvi.
Sobre a terra húmida e fria,
De joelhos, mesmo aqui,
Oremos, que é findo o dia:
Ave Maria!

Descendo da serrania,
Já o pastor ao curral
Os fartos rebanhos guia:
De abundância, ao de hoje igual,
Dá-lhe amanhã outro dia,
Virgem Maria!

A mãe que o filho cria
Já no berço o vai deitar;
Um sono tranquilo envia
Sobre o seu tecto pousar
Até ao romper do dia,
Virgem Maria!

Não deixeis a ventania
As negras asas abrir.
Do perigo o nauta desvia,
Dá-lhe uma estrela a luzir
Como luz o sol do dia,
Virgem Maria!

Ao triste manda alegria,
Ao que tem fome dá pão,
A quem teu nome injuria
Dá sincera contrição,
Antes do extremo dia,
Virgem Maria!

Ao moribundo abrevia
As horas do padecer.
Livra-o de grande agonia;
Leva-o, depois de morrer,
Ao mundo do eterno dia,
Virgem Maria.
Francisco Palha

Como se vê, ele é uma sequência de pedidos, numa oração que cristãmente se preocupa senão com todos pelo menos com muita gente.
Volto agora a Bocage, ao soneto Invocando o amparo de Maria Santíssima. Depois de exaltar a Mãe de Deus no seu habitual tom grandiloquente, o poeta dirige-lhe uma prece muito humilde:

Tu, por Deus entre todas escolhida,
Virgem das virgens; Tu, que do assanhado
Tartáreo monstro com Teu pé sagrado
Esmagaste a cabeça entumecida;

Doce abrigo, santíssima guarida
De quem Te busca em lágrimas banhado,
Corrente com que as nódoas do pecado
Lava uma alma que geme arrependida;

Virgem, de estrelas nítidas c’roada,
Do Espírito, do Pai, do Filho Eterno,
Mãe, Filha, Esposa e, mais que tudo, amada:

Valha-me o teu poder e amor materno;
Guia este cego, arranca-me da estrada
Que vai parar ao tenebroso inferno!

É mais um poema bocagiano de arrependimento: “Guia este cego, arranca-me da estrada / Que vai parar ao tenebroso inferno!”, pede o poeta.
Convém notar que Bocage tem conhecimento muito aprofundado da teologia mariana: exalta Nossa Senhora não de um modo gratuito, mas com grande fundamento nos privilégios daquela que foi declarada Rainha do Céu e da Terra.
Quando ele Lhe chama “Virgem, de estrelas nítidas c’roada, / Do Espírito, do Pai, do Filho Eterno, / Mãe, Filha, Esposa e, mais que tudo, amada”, isto merece alguma explicação. Nossa Senhora é Mãe do Filho Eterno de Deus feito homem, Jesus Cristo; é Filha do Pai Eterno; e é Esposa do Espírito Santo, que misteriosamente a fecundou, para que dela nascesse Jesus.
Comparativamente, o poema de Francisco Palha era menos pretensioso.

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