quarta-feira, 2 de abril de 2008

MOMENTO POÉTICO 09

Em tempo de Ressurreição, vamos ouvir hoje dois poemas de louvor a Deus, um de António Correia de Oliveira (1879-1960), o outro de Bocage (1765-1805). O primeiro tem o interesse de nos colocar numa perspectiva teológica que deveria ser bastante moderna no seu tempo e que mantém clara actualidade. É uma perspectiva que vemos por exemplo nessa extraordinária obra em prosa que são nos Contos Exemplares de Sophia de Mello Breyner. É possível que esteja aqui algo do poeta alemão Rainer Maria Rilke ou do teólogo e paleontólogo francês Teilhard de Chardin. É interessante notar isto, porque a muitos poetas do séc. XX, hoje esquecidos, que cantaram o tema religioso, faltou uma verdadeira actualização teológica. O poema de António Correia de Oliveira intitula-se Louvemos ao Senhor!

Louvemos ao Senhor

Louvemos ao Senhor: as mãos ergamos
Como, ao Sinal da Luz, ávidos ramos
Na sombria espessura!

A terra seja o Adro; os céus a Igreja:
E a vocação sacerdotal esteja
Em toda a Criatura.

Louvemos ao Senhor. Sobre o Mistério,
Pulsados como as cordas do saltério,
Ressoem os sentidos:

Exulte, sob o Espírito que exulta,
Sidérea vida sufocada e oculta
Em olhos ou ouvidos.

Pois o verbo da Esp 'rança é sempre novo;
Tão cheio de Futuro qual um ovo
É cheio de asa e canto...

A agrura não entende o lavrador;
Mas, nós, — jeiras do Eterno, — ao seu amor
Profundemos o encanto.

Louvemos o Senhor. Dizei: “Bendito
Por quanto fez e nos deixou escrito
Em água, estrela ou flor”.

Deus, que de nós se paga e se contenta
Quando, ao Seu Livro, um homem acrescenta:
— Louvemos ao Senhor! —

Louvai-o nos caminhos da alegria;
E, — muito mais ainda, — no negro dia
Da súbita amargura...

A terra, seja o Adro, os céus a Igreja;
E a vocação sacerdotal esteja
Em toda a Criatura.

A propósito da «vocação sacerdotal», convém saber que a palavra sacerdote parece ter o sentido etimológico de aquele que comunica o sagrado, o intermediário do sagrado junto dos homens. No caso, a expressão indica que cabe ao homem ser o intermediário entre o mundo e Deus, ser a voz do louvor que as coisas mudas elevam ao Criador.
Agora um soneto de Bocage. Para o seu tempo, ele foi também um homem muito culto. Na sua estrofe inicial, há também algo de dimensão cósmica, pois o autor aprecia temas que o elevem a um tom grandioso. A terminar, dirigindo-se sempre a Deus, o poeta fala da sua alma acesa
em alta fé:

Ó Tu, que tens no seio a eternidade

Ó Tu, que tens no seio a eternidade
E em cujo resplendor o Sol se acende;
Grande, imutável Ser, de quem depende
A harmonia da etérea imensidade;

Amigo e benfeitor da humanidade,
Da mesma que Te nega e que Te ofende,
Manda ao meu coração que à dor se rende,
Manda o reforço da eficaz piedade!

Opressa, consternada a natureza,
Em mim com vozes lânguidas Te implora,
Órgãos do sentimento e da tristeza.

A Tua inteligência nada ignora.
Sabes bem que, de alta fé minha alma acesa,
Té nas angústias o teu braço adora.

Creio que faz mesmo falta uma antologia desta poesia. Há de facto no âmbito deste tema textos muito bem pensados, de grande elevação poética.

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