quarta-feira, 16 de julho de 2008

MOMENTO POÉTICO 23

Este penúltimo momento poético vai ser mariano, com um poema de Gil Vicente e outro do P.e José Meira Veloso.
Gil Vicente, que nasceu aí por 1470 e morreu em 1536, deixou nas suas obras de teatro muitos poemas de tema religioso. Hoje vou ler uma sua paráfrase ao hino litúrgico latino O Gloriosa Domina, isto é, “Ó Gloriosa Senhora”. Actualizei a escrita duma ou outra palavra, sobretudo a Madre para Mãe. Vamos ouvir:

Ó GLORIOSA SENHORA DO MUNDO

Ó gloriosa Senhora do mundo,
Excelsa Princesa do Céu e da Terra,
Formosa batalha de paz e de guerra,
Da Santa Trindade secreto profundo!

Santa esperança, ó Mãe de Amor,
Ama discreta do Filho de Deus,
Filha e Mãe do Senhor dos Céus,
Alva do dia com mais resplendor!

Formosa barreira, ó alvo e fito,
A quem os Profetas direito atiravam,
A Ti gloriosa os Céus esperavam,
E as Três Pessoas, um Deus infinito.

Ó cedro dos campos, estrela-do-mar,
Na serra ave Fénix, uma só amada,
Uma só sem mácula e só preservada,
Uma só nascida, sem conto e sem par!

Do que a Eva triste ao mundo tirou
Foi o teu fruto restituidor;
Dizendo-te ave! o embaixador,
O nome de Eva te significou.

Ó porta dos paços do mui alto Rei,
Câmara cheia do Espírito Santo,
Janela radiosa de resplendor tanto,
E tanto zelosa da divina Lei!

Ó mar de ciência, a tua humildade
Que foi senão porta do céu estrelado?
Ó fonte dos Anjos, ó horto cerrado,
Estrada do mundo para a Divindade.

Quando os Anjos cantam a glória de Deus,
Não são esquecidos da glória tua;
Que as glórias do Filho são da Mãe sua,
Pois reinas com Ele na corte dos Céus!

Pois que faremos os salvos por Ela,
Nascendo em miséria, tristes pecadores,
Senão tanger palmas e dar mil louvores
Ao Pai, ao Filho e Espírito e a Ela?

A gente às vezes só conhece um Gil Vicente muito popular. Aqui, como em muitos outros lugares, ele mostra que é um homem muito culto e bom poeta.
Agora um poema de redacção poveira, intitulado A Avezinha do Eremita. O seu autor, o P.e Meira Veloso, não nasceu na Póvoa, mas cá viveu muito tempo. Chegou a emigrar para o Brasil, onde ensinou línguas e filosofia; na Póvoa, foi professor no Colégio Povense, além de se dedicar ao jornalismo e à poesia. Esteve na origem do escutismo na Póvoa de Varzim, juntamente com o Dr. Abílio Garcia de Carvalho. Faleceu com 52 anos, aí por 1935.

A avezinha do eremita

(Canção popular alemã)

Houve outrora um eremita
Cuja maior alegria
Era dizer esta prece:
- Ave Maria!

Tinha consigo na cela
Uma ave que todo o dia
Cantava como o seu dono:
- Ave Maria!

Duma vez fugiu a ave
Da sua prisão sombria
E foi cantar p’ra um cipreste:
- Ave Maria!

Triste, o asceta a perseguiu;
A avezinha lhe fugia…
E por fim subiu cantando:
- Ave Maria!

Subiu, subiu nos espaços;
Mas um abutre descia…
Caçou-a e ela gritou:
- Ave Maria!

Espantado o fero abutre
As suas garras abria…
Jamais ouvira cantar:
- Ave Maria!

Salvou-se a pobre avezinha
E então com mais alegria
Fez ouvir o doce canto:
- Ave Maria!

Estava o eremita na cela
Submerso em melancolia.
Entra a avezinha, e os dois cantam:
- Ave Maria!

Virgem, não deixaste o abutre
Matar a ave que dizia
A linda oração sublime:
- Ave Maria!

Pois também do pecador
Tu serás defesa e guia
Quando ele rezar contrito:
- Ave Maria!

É um texto muito simples e muito bonito.

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