terça-feira, 6 de maio de 2008

MOMENTO POÉTICO 13

Hoje vou ler dois sonetos cujos autores passaram pela Póvoa de Varzim. Breves passagens nos dois casos; são eles o P.e Abel Varzim e o beneditino Fr. Bernardo de Vasconcelos. Curiosamente, ambos nasceram em 1902.
O P.e Abel Varzim, que era de Cristelo, Barcelos, não fez profissão de escritor, mas tem muito belas páginas. Faleceu em 1964. Era irmão da D. Maria Paz Varzim. É conhecido sobretudo por ter tomado desde muito cedo uma atitude de distanciamento face ao regime de Salazar e também pelo modo como lidou com o fenómeno da prostituição na sua paróquia do Bairro Alto, em Lisboa. Foi no seu tempo uma figura muito conceituada. Deixou extraordinários relatos das suas experiências.
O Sr. Manuel Lopes ofereceu-me um dia um livrinho do P.e Abel Varzim; chama-se Procissão dos Passos, uma Vivência no Bairro Alto. Eu já conhecia o conteúdo através dum volume maior. Parece-me que o adjectivo empolgante é a palavra certa para o caracterizar.
http://www.ecclesia.pt/destaque/abelvarzim/abel_varzim.htm
O beneditino Fr. Bernardo de Vasconcelos (1902-1932), esse era de mais longe, de Celorico de Basto. Morreu muito jovem e teve também uma vida de grande santidade, que os seus contemporâneos reconheceram. E reconheceram também o seu valor literário. Está em curso o processo para a sua beatificação e canonização.
Não conheço o seu livro de versos Cântico de Amor, mas por algumas referências que já vi à sua poesia, deduzo que deve ser muito bom. Dele só conheço um livro autobiográfico, Vida de Amor.
Segundo Frei Geraldo Coelho Dias, Frei Bernardo Vasconcelos é um dos "maiores "poetas místicos do nosso país (…) As suas poesias, afirma o mesmo professor, impressionaram profundamente os meios católicos da década de trinta e ainda hoje os seus versos catapultam a nossa alma para "os confins do sonho e da espiritualidade".
http://alexandrina.balasar.free.fr/bernardo_de_vasconcelos_pt.htm
Vamos aos sonetos: o do P.e Abel Varzim conta, figuradamente, a vastidão da decadência moral que encontrou na sua paróquia lisboeta e a luta titânica que desenvolveu para a enfrentar.

Desci, a passo e passo, a longa escada
Que leva em linha recta à podridão.
Mal eu cheguei, soou como um trovão
A mais feroz, sarcástica risada.

E vi!... eu vi a face desvairada
Do Mal erguer-se. E – tétrica visão –!
Fazer-me a mesma torva recepção
Numa sonora e louca gargalhada.

"Que fazes tu aqui? Tudo isto é meu!
Só meu! De mais ninguém! Fica-o sabendo!"
E, com rancor, tentou despedaçar-me.

Fiquei! Mas quem combate não sou eu,
Porque eu, só de ver o Mal, ia morrendo.
E morrendo inda estou só de lembrar-me.

Fr. Bernardo de Vasconcelos, no soneto que vou ler, compara os seus anseios místicos às ousadias dos voos duma águia que está acontemplar:

Voo de águia

- Debruçado, cismando, na janela,
Desfruto o voo teu — altivo e forte —
Quando buscas a estrela do teu norte
E eu o oriente à minha estrela.

- Sonhas altiva, e eu humilde, a glória,
Ambos no mesmo anseio, eterno, imenso...
Eu no sonhar o meu viver condenso,
Tu tens no voo — a esp 'rança de vitória.

- Enquanto nesse anseio inconsciente
Tu queres voar mais alto, imensamente,
Que os teus inda voaram pelos céus,

— Eu busco noutros céus, inda mais belos,
A meta a que se votam meus anelos
Na adoração extática de Deus.

Fr. Bernardo de Vasconcelos interveio no importante congresso eucarístico nacional que teve lugar em Braga em 1924; veio de lá encantado, particularmente com o que ouvi ao futuro Cardeal Patriarca D. Manuel Gonçalves Cerejeira e a Salazar.

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