Jerónimo Baía foi monge do Mosteiro de Tibães, próximo de Braga. Tibães não é um local de visita popular nem é propriamente um monumento muito vistoso, mas historicamente foi muito importante.
Jerónimo Baía professou lá, no séc. XVII, mas não viveu sempre naquele mosteiro beneditino. Está sepultado em S. Romão de Neiva.
Jerónimo Baía não é um escritor simpático, nem pelo barroco dos seus poemas nem por ter tratado temas pouco próprios de um monge. O poema que vou ler intitula-se Falando com Deus. Está cheio de antíteses, que de facto são paradoxais, joga muito no paralelismo, e conclui com um jogo der palavras, o chamado quiasmo. Mas vamos vê-lo:
Falando com Deus
Só Vos conhece, Amor, quem se conhece;
Só Vos entende bem quem bem se entende;
Só quem se ofende a si, não Vos ofende,
E só Vos pode amar quem se aborrece.
Só quem se mortifica em Vós floresce;
Só é senhor de si quem se Vos rende;
Só sabe pretender quem Vos pretende,
E só sobe por Vós quem por Vós desce.
Quem tudo por Vós perde, tudo ganha,
Pois tudo quanto há, tudo em Vós cabe.
Ditoso quem no vosso amor se inflama,
Pois faz troca tão alta e tão estranha.
Mas só Vos pode amar o que Vos sabe,
Só Vos pode saber o que vos ama.
E agora, um longo poema de Alexandre Herculano, intitulado Deus. Herculano gosta do grandioso e é o que aqui temos.
DEUS
Nas horas do silêncio, à meia-noite,
Eu louvarei o Eterno!
Ouçam-me a Terra e os mares rugidores,
E os abismos do Inferno.
Pela amplidão dos Céus meus cantos soem,
E a Lua resplendente
Pare em seu giro, ao ressoar nest'harpa
O hino do Omnipotente.
Antes de tempo haver, quando o infinito
Media a eternidade,
E só do vácuo as solidões enchia
De Deus a imensidade,
Ele existia, em sua essência envolto,
E fora dele o nada:
No seio do Criador a vida do homem
Estava ainda guardada:
Ainda então do mundo os fundamentos
Na mente se escondiam
De Jeová, e os astros fulgurantes
Nos céus não se volviam.
Eis o Tempo, o Universo, o Movimento
Das mãos solta o Senhor:
Surge o Sol, banha a Terra, e desabrocha
Nesta a primeira flor:
Sobre o invisível eixo range o globo:
O vento o bosque ondeia:
Retumba ao longe o mar: da vida a força
A natureza anseia!
Quem, dignamente, ó Deus, há-de louvar-Te,
Ou cantar Teu poder?
Quem dirá de Teu braço as maravilhas,
Fonte de todo o ser,
No dia da Criação; quando os tesouros
Da neve amontoaste;
Quando da Terra nos mais fundos vales
As águas encerraste?!
E eu onde estava, quando o Eterno os mundos,
Com dextra poderosa,
Fez, por lei imutável, se librassem
Na mole ponderosa?
Onde existia então? No tipo imenso
Das gerações futuras;
Na mente do meu Deus. Louvor a Ele
Na Terra e nas alturas!
Oh, quanto é grande o rei das tempestades,
Do raio, e do trovão!
Quão grande o Deus, que manda, em seco estio,
Da tarde a viração!
Por Sua providência nunca, embalde,
Zumbiu mínimo insecto;
Nem volveu o elefante, em campo estéril,
Os olhos inquieto.
Não deu Ele à avezinha o grão da espiga,
Que ao ceifador esquece;
Do norte ao urso o sol da Primavera,
Que o reanima e aquece?
Não deu Ele à gazela amplos desertos,
Ao certo a amena selva,
Ao flamingo os pauis, ao tigre o antro,
No prado ao touro a relva?
Não mandou Ele ao mundo, em luto e trevas,
Consolação e luz?
Acaso em vão algum desventurado
Curvou-se aos pés da Cruz?
A quem não ouve Deus? Somente ao ímpio
No dia da aflição,
Quando pesa sobre ele, por seus crimes,
Do crime a punição.
Homem, ente imortal, que és tu perante
A face do Senhor?
És a junca do brejo, harpa quebrada
Nas mãos do trovador!
Olha o velho pinheiro, campeando
Entre as neves alpinas:
Quem irá derribar o rei dos bosques
Do trono das colinas?
Ninguém! Mas ai do abeto, se o seu dia
Extremo Deus mandou!
Lá correu o aquilão: fundas raízes
Aos ares lhe assoprou.
Soberbo, sem temor, saiu na margem
Do caudaloso Nilo,
O corpo monstruoso ao sol voltando,
Medonho crocodilo.
De seus dentes em roda o susto habita;
Vê-se a morte assentada
Dentro em sua garganta, se descerra
A boca afogueada:
Qual duro arnês de intrépido guerreiro
É seu dorso escamoso;
Como os últimos ais de um moribundo
Seu grito lamentoso:
Fumo e fogo respira quando irado;
Porém, se Deus mandou,
Qual do norte impelida a nuvem passa,
Assim ele passou!
Teu nome ousei cantar! Perdoa, ó Nume;
Perdoa ao teu cantor!
Dignos de ti não são meus frouxos hinos,
Mas são hinos de amor.
Embora vis hipócritas te pintem
Qual bárbaro tirano:
Mentem, por dominar com férreo ceptro
O vulgo cego e insano.
Quem os crê é um ímpio! Recear-te
É maldizer-te, ó Deus;
É o trono dos déspotas da Terra
Ir colocar nos Céus.
Eu, por mim, passarei entre os abrolhos
Dos males da existência
Tranquilo, e sem temor, à sombra posto
Da Tua Providência.
Alexandre Herculano era um homem muito culto e o poema ressente-se disso. Fala-se de Jeová (a forma correcta é Javé, sabemo-lo melhor hoje), da liberdade, usam-se palavras menos comuns. Mas o texto não deixa de ter o seu encanto, mesmo como documento dum momento de desorientação religiosa.
quarta-feira, 16 de julho de 2008
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