Versão bocagiana do poema «A Religião» de Racine
Deus, a Quem se deve a nossa crença,
Mortais, é Deus oculto:
Oh, que irrefragáveis testemunhas
Ante nós congregadas,
Pelas quais se revele a glória Sua,
A Sua omnipotência!
Respondei, mar e céu, responde, ó Terra,
Astros, mundos brilhantes,
Que mão vos esparziu, vos tem suspensos
Na etérea imensidade?
Donde te veio, ó noite, o véu lustroso?
Céus, ó céus, que grandeza!
Que assombro! Que esplendor! Que majestade!
Em vós, em vós conheço
Quem milagres sem conto obrou sem custo;
Quem nos vossos desertos
As luzes semeou, como semeia
Na terra o pó volátil,
Ó tocha do Universo, autor dos dias,
Da aurora anunciado!
Ó astro, sempre o mesmo e sempre novo!
A que mando obedeces,
Por que preceito, ó Sol, dos mares surges,
Restituindo ao mundo
O raio amigo, a fértil claridade?
De teus lumes saudoso
Cada dia te espero, e tu não faltas.
Ah, sou eu quem te chama?
Sou eu talvez quem te regula o passo?
E a ti, pélago horrendo,
Que em teu bojo voraz como que intentas
Absorver toda a terra,
Que alto poder no cárcere arenoso
Retém, constrange, enfreia?
Em vão forcejas, assanhado e torvo
Para arrombar teus muros;
Morrem na praia as espumosas fúrias.
Esses, cuja avareza
No teu seio traidor corre a punir-se,
Quando em serras e abismos
Ora os levas aos Céus, ora aos Infernos.
Imploram-te clemência?
De olhos fitos na abóbada celeste,
Na fonte donde emana
Sobre os tristes mortais macio orvalho
De amor e de piedade,
Invocam, suspirando, o braço eterno
Domador das procelas.
Bradas naquele extremo, ó Natureza,
E as vistas lhe diriges,
Guias-lhe as preces ao supremo asilo,
As preces, o tributo
Que aterrados espíritos não negam
Ao númen esquecido,
Ou trocado até'li por mil quimeras.
As vozes do Universo,
Do assombrado Universo a Deus me chamam;
Sim; a Terra o pregoa.
«Fui eu quem produziu, fui eu (diz ela)
Quem compôs os matizes
Que a minha superfície aformoseiam?
Não fui eu, foi Aquele,
Aquele que assentou meus alicerces.
Às mil necessidades
Que te vexam, mortal, se logo acudo,
Deus, é Deus quem o ordena;
Os dons, que me confere a ti destina.
Flores com que me adorno,
Vós da mão Lhe caís sobre meu seio!
O Criador, o Eterno
Lá onde árida sou, e avara, e dura,
Lá no escaldado Egipto
(Para que folgue a tímida esperança
Do cultor desejoso)
Em prescrito momento ao Nilo acena,
Que trasborde, que inunde
Meus campos, alongando-se das margens,
E os orne, os enriqueça
De douradas espigas sussurrantes».
Assim se exprime a Terra;
E encantado de ouvi-la, e contemplando
Travados uns com outros
Por invisíveis, portentosos laços
Milhões de entes diversos,
Que à regra universal concorrem todos,
Encontro, encontro em tudo
A lei que os encadeia, a mão que os liga;
E do plano sublime
Num júbilo sem termo admiro, adoro
A pasmosa Unidade.
segunda-feira, 26 de novembro de 2007
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário